26/12/2007

ALI BABÁ

Tem sido entre o gozo e a indiferença que a opinião pública vai ouvindo falar do escândalo do BCP. Para que as reacções não sejam mais adequadas à realidade, muito tem contribuído a actuação de Jo Berardo, que se veste e fala como se de um português comum se tratasse, um de nós, sem tirar nem pôr, uma espécie de Zé Povinho com sorte. O capitalista bonzinho a atirar para o popularuncho. Aquele que faz os broncos pensar que, se tivessem trabalhado muito, também teriam lá chegado.

Contudo, o que se passa no maior banco privado português, é a prova exemplar daquilo que aqui temos dito muitas vezes a propósito do poder económico (e de como ele se sobrepõe ao poder político) e de como a justiça e as várias instituições, encarregadas de zelar pela salvaguarda das leis e do seu cumprimento, usam os chamados dois pesos e duas medidas.

Parece ser um facto indesmentível que foram praticados no BCP, pelo menos desde 1999, actos que apontam para graves crimes de natureza económica.

A primeira pergunta que me ocorre, é como foi possível, durante oito longos anos, ninguém ter dado por nada, especialmente o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM)?

A segunda, é porque razão, levantada a lebre, a Polícia Judiciária não avançou para buscas nas residências dos senhores administradores e demais elementos dos corpos sociais do BCP, desde 1999, levando atrás as televisões e demais comunicação social, para que víssemos, em directo, o arrombamento das portas e a detenção dos suspeitos?

A terceira questão decorre das anteriores. Será que esses procedimentos não são adequados aos crimes de colarinho branco, mas apenas aos rufiões da Ribeira do Porto ou aos mafiosos de terceira do Apito Dourado?

Pelo que se viu, para suspeitos deste quilate, basta o senhor governador do Banco de Portugal, o socialista Vítor Constâncio, convocar os principais accionistas do BCP para o seu luxuoso gabinete e declarar-lhes que acha conveniente que os administradores e responsáveis pelos órgãos de fiscalização do banco, desde 1999, fiquem inibidos de exercer cargos em instituições financeiras (inclusive o banqueiro da Opus Dei fugido para a Espanha após o 25 de Abril e ali repescado por Mário Soares).

Mas o Banco de Portugal fica muito mal neste retrato, depois de tantos anos de passiva conivência. A sua intervenção chega tarde e é praticamente virtual. Fica claro que só actuou quando já não podia mais fechar os olhos, dada a dimensão dos escândalos. Recordo que, há vários meses, a administração norte-americana abrira um processo contra a agência do BCP em Nova York, facto que o BP preferiu ignorar.

O que sabemos, é que as trafulhices reveladas, tanto no “offshore” como no “onshore” lusitano, constituem apenas uma ponta do iceberg. E que elas, certamente, não são uma exclusividade do BCP…

Certo, sob o ponto de vista do interesse nacional, estava o governo que, em 1975, decidiu nacionalizar toda a banca portuguesa. A devolução, pela mão do PS, do sistema financeiro aos banqueiros, conduziu ao que agora se assiste. E o que vemos – os que querem ver – é que a banca privada não serve o país; serve-se dele para exauri-lo.

(Faço aqui um parênteses, para defender este ponto de vista com notícias recentes. Dizem elas que «por cada hora do mês de Outubro, o endividamento das famílias portuguesas, perante a Banca, aumentou mais de 1,5 milhões de euros. Ao fim de cada dia a soma atingia 38 milhões de euros. No final do mês as dívidas dos particulares ao banco aumentaram mais 1,18 mil milhões de euros, o que significa que o crédito bancário junto dos cidadãos já ultrapassa os 125 mil milhões de euros. Estes números são assustadores e revelam que há uma ‘bomba-relógio’ que pode explodir no dia em que parte significativa das famílias já não conseguir honrar os compromissos bancários. Os números do crédito malparado também acompanham a subida do crédito e já vai em 2,238 mil milhões de euros».

Assim, enquanto as políticas económicas levam os portugueses a endividarem-se para fazer face às suas necessidades mais elementares, iludindo, deste modo, a recessão instalada, os bancos aproveitam e enchem os cofres. Entre o fracasso da sua governação, os interesses dos bancos e a saúde financeira das famílias, já se viu que Sócrates e Teixeira dos Santos consideram que esta fuga para a frente é a única solução. Fim de parênteses).

Voltemos ao pântano do BCP, onde, para além dos intocáveis banqueiros, há dois figurões que agem e falam como se nada fosse com eles. Um, como já se viu, é Vítor Constâncio, que está no BP desde 2002. O outro, é o actual ministro das Finanças, que presidiu à CMVM entre 2000 e 2005.

Assim sendo, parece que só restaria aos dois senhores alegarem razões de ordem pessoal e, rapidamente, desaparecerem de cena. É que, das duas, uma: ou foram altamente incompetentes nas suas funções; ou foram altamente coniventes com esta trapalhada toda.

Para além disto, um outro escândalo se perfila no horizonte. Desde sempre cúmplice dos grandes interesses financeiros deste país – o que não é o mesmo que defender-se o sistema financeiro essencial ao desenvolvimento económico e social do país, confusão que alguns, como Sócrates, gostam de fazer – o PS tem retirado gordos dividendos dessa opção. Como é sabido, tem vários boys e girls espalhados por tudo o que é empresa, fundação, organismo, instituto ou instituição de carácter público.

Como alguns dos accionistas do BCP são empresas onde o Estado tem posição dominante, caso da CGD, presidida pelo socialista Santos Ferreira, e porque todos preferem que as ondas sejam poucas e baixas – ou nenhumas – nada melhor que resolver-se o imbróglio de modo a satisfazer o poder político (entenda-se: a clientela socialista), que, por sua vez, tudo fará para que ninguém se afogue ou saia muito sujo do lamaçal.

Deste modo, Santos Ferreira saltaria da CGD para o BCP, e todos ficariam contentes. Acontece, porém, que o PS perdeu o pouco que lhe restava de bom-senso. A sua fúria de abocanhar depressa o que há para abocanhar, nem lhe permite parar para pensar. Assim, para além de Santos Ferreira, quer também outro boy no poleiro do BCP. Nada mais, nada menos do que Armando Vara.

Olha quem!

Armando Vara, se este país não fosse o escarro que é, mas algo minimamente evoluído e regido por valores básicos de ética e decência, seria hoje (se não estivesse de quarentena no sítio indicado, pelas suas proezas como governante, especialmente aquela da famigerada Fundação para Prevenção e Segurança – FPS – que o povo logo baptizou de Fundos para o PS, e que levou Jorge Sampaio a impor a sua demissão) dizia eu que Vara seria hoje o que era quando se meteu na vida partidária: um simples funcionário da CGD, já que ali nunca passou de um mero caixa num escondido balcão de Trás-os-Montes.

Mas não. Porque a política em Portugal é assim mesmo – e quando interpretada pelo PS ainda é pior – o pardacento e anónimo ex-caixa da CGD, encontrou no PS a lanterna mágica de Aladino. De facto, depois de ministro, demitido por indecente e má figura, foi promovido de caixa a director da CGD e, num abrir e fechar de olhos, de director a administrador.

Não nos iludamos. Ali Bábá não é uma lenda.

Nem os quarenta (só?) ladrões.


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 26/12/2007.
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