21/11/2007

CALDEIRA À PORTUGUESA

Hoje, meus caros amigos, esta crónica vai ser uma autêntica caldeirada. Olhei em volta com cuidado, afinei bem os ouvidos, apurei o olfacto, tentei disciplinar os neurónios (se é que tenho algum) e esforcei-me por escolher um só tema capaz de agradar aos ouvintes e trazê-los à conversa. Não fui capaz.

E isto – garanto-vos – nada tem a ver com o facto de, por aí, certos socretinos de pendor monárquico, terem decidido dar-nos a honra (a mim e à nossa Rádio Baía) de sermos tema das suas crónicas jornalísticas. Não, meus amigos. Chamem-se eles castros, ou regos – ou uma vez uma coisa, e outra vez a outra, conforme a hora e o local – não influem no meu pensamento, não bolem com os meus valores, não limitam a minha liberdade de expressão.

O que se passa é que não sei por que ponta hei-de pegar nos temas e nas ideias que me sufocam e que gostaria de aqui explanar. Por isso, paciência, vai tudo para dentro do caldeirão e saia a caldeirada que sair.

Fui às compras. Olhei para a etiqueta dos kiwis e verifiquei que eles não podiam vir de mais longe: da Nova Zelândia. Mal refeito do susto, reparei que os alhos vinham de Espanha. Procurei outra embalagem, esperando que fossem portugueses. Eram da China.

Olhei para o leite. Está mais caro. Ouvi o ministro dizer que foi porque a produção desceu, porque os agricultores venderam as vacas. Pudera! Mas não lhes foram impostas quotas de produção? Então, do que é que estavam à espera?

A fraude fiscal abrange as grandes empresas, disse, sem se rir, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, João Amaral Tomaz. Não percebo o espanto. Alguém, das grandes empresas, foi preso quando elas entraram no esquema das facturas falsas? Não! Pelo contrário. Muitos dos senhores administradores dessas empresas continuaram a fazer parte das comitivas presidências e governamentais que iam – e vão – ao estrangeiro.

José Rodrigues dos Santos pode ser despedido da RTP por ter dito, numa entrevista, que a estação de televisão estatal passava «recados» do poder político e que era pressionada para que os noticiários não fossem o que deveriam ser. Se for para o olho da rua, talvez ninguém proteste. Isso faz-me lembrar o poema de Brecht, que diz mais ou menos isto: «Depois vieram buscar os judeus. / Não disse nada pois não era judeu. / Em seguida foi a vez dos operários. / Continuei em silêncio, pois não sou sindicalizado. / Mais tarde levaram os padres. / Nem uma palavra disse, pois não sou católico. / Agora, eles vieram-me buscar. / E quando isso aconteceu, já era tarde, e não havia mais ninguém para protestar».

Pedro Namora disse que a actual Provedora da Casa Pia o ignora, mas acrescentou que ele próprio não confia nela, porque não pode confiar em alguém que foi nomeado por Vieira da Silva, que é amigo de Ferro Rodrigues e Paulo Pedroso. Acrescentou que ela perdeu credibilidade quando afirmou que Catalina Pestana não a tinha informado sobre a existência de alunos abusados, para depois vir reconhecer que, afinal, tinha.

Barroso confessou que a invasão do Iraque se baseou em mentiras. Grande novidade! Agora, no Paquistão, Benahzir Butto e Musharaff mantêm o braço de ferro. Ou eu me engano muito, ou Musharaff já não é o cavalo dos norte-americanos. Arranjaram uma égua mais útil e de aparência mais democrática. Mais um futuro ex-amigo que se prepara para dar uso à mesma corda de Saddam.

José António Moutinho morreu há dois anos, mas o Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, em Portimão, chamou-o para fazer agora uma ressonância magnética à coluna. Menos um na lista de espera.

A Ordem dos Médicos não muda o código deontológico, por isso não vai alterar o artigo 47.º, que considera a prática de aborto como uma «falha grave». Os médicos aprendem a salvar vidas, a curar doentes. Por isso, o aborto, numa mulher saudável, que tem uma gravidez saudável, não é um acto médico. Se o aborto é legal, então que seja praticado – sei lá… por um militar ou por quem tenha por profissão eliminar vidas e não salvá-las. Mas os médicos que se prezem, não. Talvez a próxima investida do senhor ministro da Saúde seja mesmo obrigar todos os médicos a desfazer fetos saudáveis em mulheres saudáveis.

O fiscalista Medina Carreira traçou esta segunda-feira um quadro muito negativo de Portugal, considerando que a actual situação resulta de uma quebra acentuada no crescimento económico, num país em que – diz ele – «ninguém é responsável por nada. A democracia em Portugal é uma brincadeira em que ninguém é responsável por nada, não há responsáveis», afirmou, salientando que «o País apenas é governado com rigor durante um ano ou um ano e meio por cada legislatura». No restante tempo, segundo o fiscalista, quem vence as eleições começa por tentar corrigir as promessas que fez na campanha eleitoral e, a meio do mandato, «começa a preparar as mentiras para a próxima campanha eleitoral». E acrescentou: «Com esta gente que temos, não podemos ter muitas esperanças (quanto ao futuro)», frisando que «as eleições ganham-se com mentiras».

Medina Carreira, também se manifestou contra a rede ferroviária de alta velocidade e o novo aeroporto de Lisboa. «São uma tontice, o País não tem dinheiro para isso», afirmou.

Nos Açores, prémios de antiguidade e assiduidade servem para engordar ordenados dos senhores presidentes das empresas públicas da região, que ganham uma média mensal de 4.251 euros, contra o rendimento médio de 600 euros de cada açoriano.

Os professores dos 2.º e 3.º ciclos do ensino de algumas escolas estão a ser pressionados pelos conselhos executivos, no sentido de evitarem ao máximo as negativas já no primeiro período lectivo. A pressão dos conselhos executivos começou a sentir-se no início deste mês, em consequência das inspecções que vão ter lugar até ao final do ano, a propósito da avaliação das escolas. O Sindicato dos Professores do Norte está convicto de que a pressão para evitar negativas no Natal resulta de uma estratégia do Ministério da Educação para melhorar as estatísticas nacionais do aproveitamento escolar junto da União Europeia. Bruxo…

Desde que o actual Governo, liderado por José Sócrates, tomou posse, em Março de 2005, Portugal perdeu 167 mil postos de trabalho qualificados. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, o número de trabalhadores com maiores qualificações, incluindo dirigentes e quadros superiores, profissionais intelectuais e científicos e técnicos de nível intermédio, cifrava-se em 1,372 milhões de trabalhadores no primeiro trimestre de 2005. Já no terceiro trimestre deste ano, o número de profissionais empregues tinha recuado para 1,205 milhões, correspondendo a uma quebra de 12%. Comparando com o total de empregos, o trabalho qualificado viu o seu peso reduzido de 27 para 23%. É a excelência de sua Excelência…

No chamado Verão Quente de 1975, em Portugal, o ditador espanhol Francisco Franco estava hospitalizado e praticamente já não falava, embora a comunicação social espanhola desse uma ideia completamente diferente: quem visitava o ditador no hospital dizia-lo atento aos problemas do país e do mundo. Mas agora, num texto publicado no El País, o médico Ramiro Rivera, que acompanhou Franco na sua doença, afirma que na maior parte do tempo Franco encontrava-se incapaz de falar e que pouco mais lhe conseguiam ouvir do que monossílabos.

Mas, a dada altura, um dos médicos perguntou a Franco: «Meu general, está o senhor a par do que se passa em Portugal? Não acredita que ali se vai armar uma grande confusão e vai correr muito sangue?». Segundo o testemunho de Ramiro Rivera, Franco ficou calado durante um bocado enquanto todos os médicos o olhavam, expectantes. E em seguida disse: «Não acredite nisso, os portugueses são muito cobardes».

Depois da caldeirada que acabei de vos servir, não sou eu, caros amigos, que me atrevo a desmentir Francisco Franco, o ditador espanhol. E até me apetece repetir:

Os portugueses são muito cobardes.


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 21/11/2007.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

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