12/12/2007

SOMOS TODOS UMA DATA DE ESTÚPIDOS

A crónica de hoje é dirigida apenas aos ouvintes estúpidos, aos analfabetos, aos pobres de espírito, aos ignorantes, aos atrasados mentais, enfim, à escumalha sem qualquer espécie de qualificação e estatuto social. Para que ninguém se ofenda, quero esclarecer que me incluo neste vasto grupo, isto é, sou um português comum, incapaz, portanto, de pensar pela sua cabeça, tomar uma decisão e – muito menos – criticar um senhor doutor, um ministro, um presidente, um agente da autoridade, um comentador político, treinador de futebol, padre, bispo ou papa. Mais afirmo que, de hoje em diante, esforçar-me-ei por aceitar sem a mínima contestação, crítica ou insidiosa desconfiança, qualquer medida governamental, pois, como pessoa reles e tacanha que sou, jamais estarei à altura de a tanto me atrever.

Longe de mim, assim – e de nós, a escória da sociedade – a veleidade de discutir, comentar ou pôr em causa a bondade das decisões que as altas esferas da política e da finança vão tomando, pois elas, além de serem as mais aconselháveis para o povo, para a nação, para a civilização ocidental e, por consequência, para o mundo, são de tal modo complexas e elaboradas, que os cérebros atrofiados e desprovidos de neurónios suficientes e capazes, como são os nossos, jamais conseguirão entender.

Isto, meus amigos de infortúnio, meus companheiros da classe da ralé, foi-nos misericordiosamente informado, como se recordam, por um ouvinte das classes superiores, um senhor doutor, dito jurista, justamente irritado com a nossa aleivosa impertinência de aqui pretendermos discutir a sábia governação dos nossos lídimos dirigentes políticos e da não menos impoluta e distinta alta classe empresarial, altos crânios a quem tudo devemos e a quem, tantas vezes, por ignorância, ofendemos e injuriamos.

Posto isto, já não posso dizer o que pretendia, precisamente que foi uma atrapalhada e nervosa criatura que aqui, há oito dias, veio tentar enganar a gentalha que somos, começando por dizer que o Eurostat não era um organismo que elaborasse estatísticas. Se eu pudesse responder-lhe, diria que no Portal de UE está escrito o seguinte, pelo próprio Eurostat: «A nossa missão é prestar à UE um serviço de informação estatística de qualidade».

Também era minha intenção dizer (mas já não digo, porque me faltam as capacidades intelectuais e o estatuto social para tanto) que seria da mais elementar transparência democrática submeter a Constituição Europeia (disfarçada de Tratado Europeu – e de Lisboa chamado) a referendo, pois sendo algo de tão bom para Portugal e para a Europa – ou tão porreiro, para utilizar a expressão do inefável e aflautado «engenheiro» Sócrates – certamente que todos diríamos um enorme e glorificador SIM a tal maravilha, conferindo ao novo tratado uma digna e eterna legitimidade. Mas isto são ideias de gente estúpida e desqualificada, que não consegue entender que os nossos queridos líderes é que sabem como é…

Era também para falar na famosa cimeira UE-África, que inchou Sócrates e esganiçou ainda mais Durão. Diria, se a elite de inteligentes nacionais me deixasse, que fiquei a saber que em África há ditadores bons e ditadores maus. Os maus, são os que não obedecem às ordens dos dirigentes ocidentais. Os bons, são os outros todos. A olho nu, é difícil distingui-los, pois têm todos excelente aspecto e usam roupas caríssimas, seja segundo os padrões ocidentais, seja segundo os padrões regionais.

Percebi – se é que consigo perceber alguma coisa – que os direitos humanos só são violados em Africa, mas nunca na Europa, pois não há por cá gente com fome, sem trabalho, sem tecto, sem acesso ao Ensino e à Saúde. Por cá não há crianças famintas e exploradas. Nem velhos ao abandono. Por cá não se morre sem assistência médica, ou por ela ser deficiente. Não há medicamentos por aviar por falta de dinheiro. Pois não…

Dizem-nos que, por cá, os governos são todos eleitos pelo povo. E são. Mas – e é para aí que aponta a Constituição Europeia (perdão: o Tratado Europeu liofilizado) cozinhada em Lisboa – os governos são, cada vez mais meras mulheres-a-dias dos grandes empresários, que não são eleitos por ninguém, e que, beneficiando das decisões políticas tomadas nesse sentido, se apoderam de todos os recursos dos países, tomando assim conta efectiva da vida das pessoas. Na verdade, são os donos do dinheiro que determinam a nossa vida, sendo, na realidade, também os nossos donos.

Mas voltando à cimeira: entre dois banquetes pagos pela presidência portuguesa (ou não seria mais bonito dizer que foram pagos por todos nós?) proferiram-se belas palavras. Resultado? Tudo na mesma. Ou melhor: arrumaram-se novos entendimentos – e, certamente, novas taxas – para que os responsáveis africanos continuem a conceder aos interesses europeus o acesso às suas matérias-primas. Um neocolonialismo revestido de celofane e enfeitado com laçarotes de euros. Muitos euros.

Fome? Esqueletos vivos? Crianças de ventre inchado a quem as moscas vão comendo, enquanto os abutres esperam? Sida? Malária? Tuberculose? Isso, meus amigos (amigos, como eu estúpidos e mentecaptos) isso foi só o cenário para iludir as nossas mentes obtusas. O que caracterizou a cimeira de Lisboa foi o aparato, o espectáculo e a confissão da indisfarçável convicção dos europeus, civilizados e cristãos, de que devem continuar a dizer aos gentios como é que as coisas são. Com uma ligeira novidade em relação há 500 anos atrás: agora, já não se trata de pilhar a ferro e fogo, nem de embarcar ninguém em navios negreiros. Agora, civilizadamente, encontram-se meios de todos eles (os das cúpulas, entenda-se) enriquecerem entre salamaleques amigáveis ou falsas divergências.

Isto é o que eu diria, se não fosse tão lerdozinho de condição… Assim, calo-me para que o nosso ouvinte inteligente não se irrite nem se descomponha E nos descomponha. Mas como, apesar de bronco, ainda consegui aprender a ler, queiram ouvir um precioso trecho de um artigo que o jornalista e advogado João M. Santos escreveu há dias a propósito da cimeira.

«A presidência portuguesa, que felizmente está no fim, cumpre um ciclo de faxineiro desejoso de mostrar serviço. Ficará contente se nada der para o torto e não tem mais aspirações. Os restantes líderes europeus vêm para marcar o ponto. Sabem que os grandes interesses económicos se não discutem em cimeiras mas em recatados gabinetes devidamente insonorizados.

Os europeus querem apenas salvaguardar o que resta dos seus interesses económicos em África. Antes que os chineses comam tudo. Numa espécie de neocolonilismo doce, para que se reclama o assentimento dos líderes africanos. Porque haverá brindes para todos. Quem quiser falar dos dramas de África, que fale. Mas em voz baixa e nos corredores. Como conspiradores envergonhados.

Direitos humanos? Qual o quê? Se até na Europa esses direitos começam a ficar em risco, o que podem estes líderes europeus ensinar, prometer ou garantir às populações africanas? Ou exigir aos seus líderes? Nada. Esta cimeira vai saldar-se pela maior mentira da presidência portuguesa. Bem vindos senhor Mugabe e seus iguais. O império de Sua Majestade já fez a sua rábula e tudo irá correr pelo melhor. E muito obrigado por ter servido de manobra de diversão. Os povos africanos continuarão a morrer em genocídios, à fome e por falta de assistência médica. A Somália existe? A Etiópia não é uma invenção de visionários românticos? Darfur? Onde é que fica isso?».

Se a minha – e a vossa – capacidade mental desse para tanto, ainda gostava de falar do desemprego (a riquíssima PT quer despedir, em 2008, mais umas centenas largas de trabalhadores), do fecho das urgências, que a Ordem dos Médicos considera «criminosa», e que substituir, como se prevê, «o trabalho médico por trabalho de enfermagem, é criminoso e vai colocar em risco muitas vidas». Acrescenta não ter dúvidas de que se «irão perder vidas» se a «assistência de doentes graves for feita por pessoas que não são médicos». Mas, porque não somos pessoas capazes de perceber porque é que estas coisas acontecem, o melhor é não dizer nada.

Para fechar, só vos digo que mais uns estúpidos que por aí andam, ligados a uma coisa chamada GfK Metris, elaboraram um estudo, chamado Roper, onde se demonstra que os portugueses vivem desalentados em relação ao modo como a economia tem avançado, sendo os mais pessimistas no que respeita à situação económica do país. Em tempo de crise, o povo mostra que anda desencantado, porque ganha pouco ou simplesmente porque está desempregado, ou em risco disso. As principais preocupações dos portugueses estão relacionadas com a recessão económica e o desemprego, com o crime e ausência de Lei e ainda com a inflação e os preços elevados que se praticam a nível nacional.

Segundo um responsável da GfK, Luís Valente Rosa, «este desencanto que se vive em Portugal está relacionado com o descrédito que há nas instituições políticas». O mesmo responsável frisa que a confiança no Governo, na AR e nos partidos é «ainda reduzida».

«Há um desalento em relação ao modo como o país tem avançado, nos últimos anos. Os portugueses estão desiludidos e consideram que já não vale a pena confiar ou investir», acrescenta Luís Rosa.

É o que diz o outro: «Somos todos uma data de estúpidos…»


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 12/12/2007.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

ò Pereirinha ainda bem que já te estás a ver ao espelho vai sendo tempo .

12/12/07 10:05 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Ena! Conseguiu escrever duas linhas sem dar erros de ortografia!

14/12/07 8:27 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Alem dos intelectuais (pseudos) que bem escrevem o português,sem erros,há o povo, mesmo não sabendo ler,ou sabendo escreve com erros,não se revê nessa prosa de mal dizer.

2/1/08 6:36 da tarde  

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