11/07/2007

A GRANDE VAIA

- ou crónica de uma noite de Verão.

Os cerca de 40 mil espectadores que vaiaram intensamente o primeiro-ministro Sócrates, até há pouco também conhecido por «engenheiro», título que, soube-se agora de fonte segura, não pode utilizar sem que esteja a mentir (ou a brincar), dizia eu que esses cerca de 40 mil espectadores podem ser responsabilizados criminalmente por manifesta falta de respeito a uma das mais altas figuras da hierarquia do Estado.

Segundo conseguimos apurar, José Sócrates já pediu ao ministro da Administração Interna que mande visionar as cassetes gravadas pelas diversas câmaras de segurança instaladas no Estádio da Luz, no sentido de identificar os subversivos prevaricadores. Segundo parece, só Cavaco Silva, sentado a seu lado – e na altura do nefasto acontecimento a ajeitar a aba do seu impecável casaco – estará livre de qualquer suspeita. Ainda assim, há testemunhas que dizem ter detectado em Cavaco Silva um meio sorriso misterioso, embora se diga que poderia ser apenas um dos muitos esgares em que o senhor Presidente da República é pródigo.

Sócrates também já contactou os responsáveis da Liga de Clubes de Futebol Profissional e a Federação Portuguesa de Futebol, tendo em vista serem encontrados os mecanismos que possam justificar a interdição do Estádio da Luz por vários jogos, alegando-se, para o efeito, o comportamento incorrecto do público.

Por outro lado, o Ministério da Educação encarregou a directora da Direcção Regional de Educação do Norte, a virtuosa D. Margarida Moreira – recentemente nomeada Coordenadora-Chefe da Nacional Bufaria – no sentido de tentar apurar se o professor Charrua teria estado presente no Estádio da Luz, como chefe de claque, já que muitos dos insultos dirigidos ao senhor primeiro-ministro correspondem aos que, alegadamente, o dito professor teria proferido entre um grupo de amigos (amigos… salvo seja).

Outras das orientações de Sócrates dizem respeito aos autores de apupos, vaias e insultos que sejam identificados como funcionários públicos, para os quais se prevê, para além da responsabilização criminal, a imediata suspensão e a abertura de inquérito por falta de lealdade e notória postura antipatriótica.

Finalmente, Sócrates deseja que o Sport Lisboa e Benfica, como proprietário do estádio – e palco já reincidente neste lamentáveis comportamentos, uma vez que Durão Barroso ali mereceu igual tratamento – seja severamente punido, devendo descer de divisão e ficar proibido de equipar de vermelho, tido como cor subversiva – já Salazar, certa vez, se lembrara disso – e mesmo cor-de-rosa, por ser a rosa a flor do PS.

Mas se a vaia ao primeiro-ministro já foi um transtorno grande para José Sócrates, amachucando-lhe o ego até ao nível do papel higiénico depois de usado, outra vaia pode trazer ao governo sérios problemas diplomáticos. É que a Estátua da Liberdade, uma das candidatas a nova maravilha da humanidade, mereceu outra enorme vaia quando surgiu nos ecrãs do Estádio. Segundo consta, o embaixador norte-americano em Lisboa já pediu explicações ao Governo português, sugerindo mesmo que, a repetirem-se manifestações anti norte-americanas desta natureza, o país seria incluído no terrífico Eixo do Mal, o que equivale a dizer que Portugal seria considerado um estado potencialmente terrorista e passível de ser preventivamente bombardeado a qualquer momento. Convidado a comentar esta ameaça, o ministro dos Negócios estrangeiros, Luís Amado, desvalorizou a questão, dizendo que essa possibilidade não existia, tanto mais que Portugal não era um país produtor de petróleo. Só de calhaus.

Bem, meus amigos, depois deste devaneio próprio de uma noite de Verão, convém que vos diga, já mais a sério que, de facto, a grande maravilha dessa noite de novas maravilhas, foi a estrondosa, espontânea, genuína e pura vaia, saída com força e convicção da alma de dezenas de milhares de portugueses, fartinhos que estão de ser humilhados por um governo que não merece o mínimo de respeito nem o mínimo de credibilidade.

AINDA O ABORTO

Entretanto, todos percebemos que continua a saga do aborto (e que me desculpem os defensores da dignidade da mulher através do acto abortivo), mas é assunto que todos os dias aparece na comunicação social, por isso não vejo razão para fugir a ele.

Por um lado, porque inúmeros médicos (honras lhes sejam feitas) se recusam a praticar aquilo que, na verdade não é um acto médico – ou seja, um acto destinado a curar uma doença ou a salvar uma vida. De facto, um aborto por razões que nada tenham a ver com a saúde da mãe ou do filho, não passa de um acto expedito de eliminar uma vida que ameaça chatear a progenitora, algo que não encaixa na ética médica nem nas competências dos serviços de saúde, sejam públicos, sejam privados. Matar, não é a função dos médicos nem dos hospitais. Quando muito, o aborto encaixaria num serviço qualquer que se criasse exclusivamente para exterminar fetos, tipo matadouro municipal ou estatal, ou coisa parecida. Algo que tivesse a ver com o negócio da morte – e não com a dádiva da vida.

Por outro lado, porque já se viu que cada aborto vai custar ao SNS (isto é: a todos nós) um verdadeiro balúrdio, tanto fazendo que seja praticado no serviço público, como através das clínicas privadas convencionadas. Segundo a tabela em vigor, uma interrupção custa ao Estado entre 830 e 1.074 euros. (Na tabela de 2004 do Sistema de Gestão dos Utentes Inscritos para Cirurgia, uma interrupção voluntária da gravidez cirúrgica justificada pela saúde da mãe ou problemas graves com o feto, rondava os 590 euros). Ora, sendo agora a eliminação do feto não só legal, como gratuita (até de taxa moderadora está isenta), não admira que os diversos hospitais já digam que não vão ter capacidade para a chuva de abortos que aí vem, tendo que os reencaminhar para os privados.

De facto, se com as dificuldades antes existentes era o que era, agora, meus amigos, o aborto, como mais um método de contracepção puro e simples – e gratuito – vai disparar em flecha. Não se percebe – eu não percebo – que com a facilidade e diversidade de meios contraceptivos ao dispor das pessoas, possam ser assim tantas as gravidezes acidentais. Com o que vamos vendo e ouvindo – e com o que todos sabíamos, mas alguns fingiam não saber – aí está a prática abortiva como uma saída natural e comum para uma gravidez acidental ou, a partir de certa altura, não desejada – à mercê das venetas do momento – em vez de uma situação excepcional e justificada por indubitáveis razões de saúde.

Enfim, o que eu sei, isso sim, é que é mais um golpe nas contas do SNS, e que vai ser pago por todos nós. E – muito pior do que isso – vai dificultar e encarecer ainda mais o acesso aos serviços de saúde a quem está verdadeiramente doente. Pegando no exemplo da semana passada, é verdadeiramente escandaloso que um canceroso espere meses por uma cirurgia, que um doente cardíaco, renal ou hepático pague taxas moderadoras, que a vacina contra o cancro do colo do útero nem sequer seja comparticipada, que uma consulta de qualquer especialidade demore meses e meses, mas que uma mulher saudável, que não teve os devidos cuidados nas suas relações sexuais – ou, de súbito – mudou de ideias em relação à sua gravidez, ocupe o lugar e os recursos dos verdadeiros doentes.

Enfim, não é apenas Sócrates que merece uma grande vaia.


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 11/07/2007.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

1 Comments:

Blogger JIM said...

Não vi nem ouvi a vaia ao primeiro ministro, que aconteceu no Estádio da Luz, mas seriam certamente, cerca de 40.001 espectadores a fazê-lo se eu estivesse presente.
Da mesma forma, que não ouvi, com pena minha, o João Carlos Pereira, ler a crónica "A Grande Vaia" que tenho impressa à minha frente. Mas, em contrapartida, ouvi a parte final do comentário do Sr. Gonçalo, à referida crónica.
Achei graça à forma como ele se referiu a uma verba de 1.000€ ou 2.000€ que, julgo segundo o sentido, seria o rendimento de uma familia portuguesa. E achei graça porque, segundo eu, me parece que as importâncias intermédias entre estas duas, 1.500€ são, mais ou menos, o ordenado médio, nos países da UE.dos 15, passando os Pirineus.
Não sei qual a actividade deste Sr., mas pelos conhecimentos que demonstra da UE e da economia da mesma, bem poderá ser deputado europeu ou um esperançado futuro deputado nesse cargo.
Depois também me chamou a atenção para o atestado de menoridade mental, de incapacidade de análise dos habitantes da UE quanto ao documento que será, a ser aprovado com o conluio da nossa presidência, uma autêntica constituição europeia dos 20 e tal, sem ser submetida a referendo.
Que fizesse essa afirmação em relação ao povo português, vá que não vá. Deveria, no entanto, ter a capacidade, por dever de imparcialidade e de respeito pela verdade, dizer que o facto de, durante os 40 e tal anos de ditadura, o analfabetismo, quer no sentido literal quer no politico foi cultivado no nosso país e que nos 32 anos contados a partir de 25/Nov/75 até agora, a cultura da incultura foi também cultivada com sucesso, e como complemento da cultura anterior. A sonegação feita pelos sucessivos governos do acesso ao conhecimento do que, na realidade, implica tal constituição, tira ao povo português a capacidade de entenderem o que isso significa.
Mas passar, sem que para isso tenha sido incumbido, um atestado de menoridade ao povo francês e ao povo holandês que, em referendo, votaram contra uma constituição, não remendada como esta, isto Sr. Gonçalo, nem ao S. Gonçalo lembraria.
Já pensou o que poderá acontecer se, eventualmente, alguns utilizadores da Internet por essa UE., tiverem tido acesso ao seu comentário feito na Rádio Baía?
Sr. Gonçalo fale do seu país, mas seja honesto ao falar dele. Fale da implicação que têm os efeitos da governação do nosso querido país desde o consulado de Salazar, até aos efeitos negativos e erros sucessivos cometido pelos governos desde o 25/Nov/75 até agora, ou seja a chamada "Evolução na continuidade" proposta por Caetano, mas deixe que sejam os povos a decidir dos seus próprios destinos.
Nem todos os politicos têm lugar na história, nem mesmo os que o procuram pelo negativismo das suas afirmações.
Em relação à vaia, ao ler a crónica e situando-me nas medidas que o primeiro ministro José Sócrates tomou para conseguir a identificação dos autores dos apupos, das vaias, dos assobios. O facto de tentar saber se o professor Charrua estava presente e a tentativa de identificação de funcionários públicos, levou-me, numa viagem de pensamento ao passado, para os tempos da Inquisição, caminhando depois até aquele Adolfo Hitler, autor do tal livro, aos métods da Gestapo e por momentos fiquei parado numa época em que os esbirros de uma PIDE ou de uma DGS, adejavam por cima das nossas cabeças. Lembrei-me daquela canção do Zeca Afonso, VAMPIROS. Pensei; devemos estar a viver um pesadelo, um sonho ou estou, sem saber a ver um filme com o nome trocado "Regresso ao passado".
Juntando a isto o pedido de sanções para o SLBenfica, fui até Roma, em cuja historia, hoje, se mostra que a sanidade mental dos seus imperadores deixava muito a desejar.
Já vai longo o comentário à sua crónica, mas não posso deixar passar em julgado as reacções do embaixador americano tendo pensado de imediato "O Império ataca".
Covenhamos que a estátua da Liberdade pode ser comparada ao colosso de Rhodes. Este, segundo a lenda tinha pés de barro. A estátua da Liberdade, representativa da liberdade,é simbolo de um país que procede de forma completamente divergente dos principios da sua constituição, o que dá à referida estátua os pés de barro do "colosso" da antiguidade, colocando-a fora do contexto de maravilha do mundo.
Não podemos deixar de pensar nas emendas da referida constituição, entre elas a de Monroe, que considera todo o resto do continente que fica para lá da fronteira sul dos Estados Unidos da América até ao Cabo Horn com o quintal dos EUA.
O Eixo do Mal deve começar mesmo na capital dos EUA, Londres, Telavive e mais alguns sitios controlados pelos mesmos poderes e pela atitude do embaixador, não devem admitir concorrência.
Já quanto à resposta do nosso ministro dos Negócios Estrangeiros de que "Não há problema porque Portugal não é um país produtor de petróleo, só de calhaus. Se o ministro conhecesse alguma coisa sobre as capacidades do nosso país em matérias primas, diria antes "Por enquanto ainda não somos um país produtor de petróleo, mas as perspectivas de podermos sê-lo brevemente, faz-nos olhar o futuro com grande esperança".
Quanto ao aborto, já sabe a minha posição.
Já agora, apesar de há bastante tempo não escrever nada lá, poderá visitar www.esquinadacensura.blogspot.com . diga-me o que acha do pouco que lá está.
Um abraço, José

12/7/07 3:24 da manhã  

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