04/07/2007

A PROPÓSITO DE CANCROS

Os doentes de cancro esperam, em média, 3 meses e meio por uma operação, mas há hospitais onde a demora na intervenção chega aos sete meses, lê-se num relatório do próprio Ministério da Saúde, divulgado recentemente, acrescentando que dos 4.075 doentes com cancro que em Outubro estavam inscritos para cirurgia, 42 % estavam na lista de espera há mais de dois meses e 27 % há mais de quatro. Segundo o mesmo relatório, existem também grandes assimetrias regionais na resposta dada aos pacientes.

Assim, no Algarve, os doentes com cancro aguardam em média mais de 6,5 meses por uma operação, no norte do país o tempo de espera baixa para os 2,5 em Lisboa e no Alentejo é superior a 4 meses e no Centro situa-se nos 3,5 meses. No Hospital de S. Teotónio, em Viseu, e no Centro Hospitalar da Zona Ocidental de Lisboa, a espera atinge, em média, os 7 meses.

Ao contrário disto, as senhoras saudáveis, com fetos normais (isto é: com gravidezes saudáveis) que desejem abortar por razões que só elas sabem, serão atendidas em escassos dias e, como cereja em cima do bolo, estão isentas de taxas moderadoras, coisas que não acontecem a qualquer desgraçado que apanhe uma pneumonia, sofra um enfarte ou um AVC. Já para não falarmos do facto de o Estado nem sequer comparticipar a vacina que previne o cancro do colo do útero. Entre um canceroso que precisa de ser operado e uma mulher saudável que queira abortar, tem prioridade, para o SNS, o humaníssimo aborto.

Os dados aqui ficam, para que se medite seriamente na maneira como a política brinca com tudo, até com a vida das pessoas. Dou-vos mais um caso. No início deste ano, uma mulher de 65 anos começou a sentir fortes dores no ombro esquerdo. Foi, às seis da manhã, para a porta do Centro de Saúde do Seixal, para, lá para o fim da manhã, conseguir ser atendida. A médica mandou-a fazer uma radiografia, que foi inconclusiva. Seguiu-se uma ecografia que acusou algo de relativamente complicado, requerendo uma consulta da especialidade no Hospital Garcia de Orta, desconfiando a médica, pelo que viu e leu no relatório, que seria necessária uma operação. Nesse mesmo dia foi passada a carta, pelo CSS, a pedir a marcação dessa consulta ao HGO. Até hoje não houve qualquer resposta. Já lá vão cerca de seis meses. Depois da consulta, quantos meses se passarão até que se realize a operação, se ela for, de facto, necessária? E quanto vai custar?

Pergunto-vos: serão os casos de doentes com cancro ou com outras quaisquer doenças, menos importantes do que a decisão de uma mulher saudável em querer abortar? Sentir-se-ão bem, ao saber disto, aqueles que tanto lutaram pela liberalização do aborto, sem que perguntem a si próprios porque ficam agora mudos e quedos perante estas notícias? Onde estão, agora, os grandes, aguerridos e corajosos activistas que encheram ruas e avenidas, colaram cartazes, debitaram argumentos sobre argumentos – alguns deles verdadeiramente imbecis – a favor da liberalização do aborto e por aí andaram, de faca nos dentes, como se eliminar um feto, por razões de natureza económica, fosse um avanço civilizacional e a resolução do nosso maior problema? Porque não saltam nem se esganiçam agora (como saltaram e se esganiçaram então), em defesa dos doentes cancerosos, que esperam meses por uma operação que lhes pode salvar a vida, ou para abreviar os tempos de espera por consultas da especialidade? E, à semelhança do que acontece para o aborto a pedido, porque não lutam com igual fervor e entusiasmo, em festivas e coloridas manifestações, para que todos os doentes – mas os verdadeiros doentes, com doenças que os atingiram sem que para tal tivessem contribuído – também fiquem isentos da taxa moderadora? Então, que moral é esta? Que moralistas são estes? Que coerência há nestas pessoas?

Já que estamos a falar de cancro, falemos doutro. Um cancro chamado Partido Socialista. Ultimamente, sucedem-se as notícias sobre constantes actos de perseguição política, sendo já três as vítimas mais mediáticas da mentalidade pidesca da gentalha que por aí está espalhada, desde os píncaros da governança até ao reles esbirro sedento de mostrar serviço.

Primeiro, foi o professor Charrua, corrido da DREN, suspenso de funções e com uma nota de culpa à perna, à conta de uma piada e de desabafos que milhões de portugueses, como eu, repetem todos os dias. Por ter brincado com o senhor presidente do conselho, sujeita-se a seis meses de suspensão.

Seguiu-se a exoneração de Maria Celeste Cardoso, Directora do Centro de Saúde de Vieira do Minho, por causa de um cartaz que recordava aquilo que o ministro da Saúde tinha dito, ou seja, que nunca tinha ido a um SAP, nem esperava ir, ao qual se acrescentava um comentário jocoso O crime da senhora saneada (para dar lugar a um boy socialista, pois claro), terá sido o de não ter mandado retirar o cartaz no preciso instante em que foi afixado, ordem que foi dada pela vítima logo que do facto teve conhecimento.

Como não há duas sem três, aparece agora uma nota de uma girl socialista, coordenadora da Sub-região de Saúde de Castelo Branco, de sua graça Ana Maria Correia, onde esta informa todo o pessoal da sede «que a correspondência endereçada directamente a determinados funcionários, ou ao cuidado dos mesmos, será aberta na coordenação, desde que oriunda de qualquer serviço público, ou outro».

Também é sabido que o blog www.doportugalprofundo.blogspot.com (cuja visita aconselho vivamente), do professor António Balbino Caldeira, está sob vigilância apertada desde o dia em que este português levantou a lebre das confusões acerca da célebre licenciatura de José Sócrates, pelo que o seu autor já foi alvo de uma queixa crime por parte do primeiro-ministro, enquanto tal e enquanto cidadão. Só falta saber porque não se queixou, também, como «engenheiro».

A forma como este governo está a tratar a liberdade de expressão, especialmente se é ele próprio o alvo da crítica, não tem comparação sequer com a ditadura do Estado Novo, já que esta, apesar de tudo, teve o cuidado de permitir sempre alguma crítica política e social.

Agora, os esbirros do PS, verdadeiros candidatos a futuros pidezecos, aprestam-se a mostrar ao grande chefe a sua fidelidade canina. Mas já nada espanta se vier da canalha socialista. Depois dos casos que citei, a que falta acrescentar as listas de grevistas de Teixeira dos Santos, e em apenas dois anos de poder absoluto, já estamos, como referi outras vezes, a respirar o ar de chumbo que nos pesava nos tempos de Salazar a Marcelo.

Entretanto, a crise arrasta-se. Para fugir a ela, 200 mil portugueses abastecem-se regularmente em Espanha. As lojas, por cá, estão às moscas, mesmo com promoções de 50%. Cada vez há mais casas devolutas, porque as famílias não podem pagar uma prestação que, em poucos meses, subiu para valores incomportáveis. As empresas fecham umas atrás das outras.

Porém, para o senhor «engenheiro», o remédio não é governar bem. É calar os críticos, como se faz em qualquer ditadura. Os jornalistas começam a incomodar? Sujeitem-se jornais e jornalistas a órgãos autoritários, fiéis ao Governo, capazes de calar uns e outros. Censura? Nem pensar!

E a malta, com os bolsos cada vez mais vazios, não sabe o que fazer à vida. Se rir das patacoadas de ministros imbecis, se começar a pensar que isto só vai lá à bomba.

Uma coisa é certa. Democracia é que isto não é. Ou se é, sofre de cancro.

Um cancro chamado Partido Socialista.


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 04/07/2007.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

3 Comments:

Blogger JIM said...

Quando, hoje, depois de ouvir a crónica "A Proposito de Cancros" eu tentei comentar a mesma, provocando, começando por chamar a atenção para a resposta dada pelo ministro da Agricultura e Pescas, julgo ser este o seu cargo, ao pescador que o interpelou, dizendo-lhe, mais ou menos "Então saia da UE", eu disse que a resposta mostrava o respeito que têm pelo povo. Porém não explicitei tudo quanto queria. Quando ouço as crónicas às 4ªs feiras, e porque elas me chamam novamente a atenção para a forma como Portugal tem sido "des"governado, a partir do 25 de Novembro/75, enervo-me e, apesar de o pensar, quando vou expressar o que coordenei no meu cerebro, a fala atraiçoa-me e o que digo parece não ter nexo.
Assim vou dizer, escrevendo, um pouco daquilo que a crónica fez crescer dentro de mim.
A resposta dada pelo ministro que acompanhava o comissário da UE, mostra a falta de respeito e a arrogância com que este governo tem governado Portugal e o povo português. Não coloco de fora o Primeiro Ministro, pois ele é responsável por todos os elementos do seu governo.
A seguir, teria falado de uma entrevista, ontem, na TV. sobre o facto de não haver suporte estatal para as familias trabalhadores deixarem os seus filhos, agora que as aulas acabaram.Há sim, mas são espaços privados, muitos sem condições e caros. Os que reunem condições tem preços proíbitivos para os ordenados praticados em Portugal. Falo de trabalhadores normais.
Depois iria falar da saúde. Daquela clinica ou hospital, privado já se vê, que foi inaugurado e cujo dono é o grupo Espirito Santo.
Como é diferente a saúde em Portugal. A saúde é como o euromilhões "dá dinheiro, mas é cara".
Depois, na rede de suportes oncológicos que estão a ser criados, mas como tudo neste país, em vez de facilitar e abreviar as consultas e tratamentos a estes doentes, deixa tudo mais na mesma.Quando falei do sherif de Nottingham, era a propósito da noticia sobre os 700 milhões de euros de impostos que prescreveram. Não eram de trabalhadores por conta de outrem, pela certa. Afinal parece que estes impostos tinham sido negociados com uma instituição bancária estrangeira, a qual, como não pode reaver este dinheiro, porque quem deve não tem bens para serem penhorados, vai ficar na posse de outra quantia referente a impostos, julgo 500 milhões, que já pode cobrar.
Ao falar da entrevista do Nuno Rogeiro ao embaixador espanhol, em que a resposta do embaixador sobre a sondagem feita em Portugal e Espanha sobre uma possivel união, a resposta dada de que somos um país milenar e assim é que tudo está bem, poderia ser entendida como "façam lá o inferno à vossa maneira, porque isto como está dá-nos mais lucro.
Sobre o livro do Adolfo, possivelmente iria dizer que, se calhar, tem sido a cartilha que tem orientado este governo.
Mas, o livro, também vinha a propósito daquela professora com leucemia e daquele professor com ablação de um cancro, os quais, a "douta comissão" que analisou o pedido de reforma, considerou a ambos, "aptos para o serviço".
Quanto ao aborto, de que não falei. Eu sou contra o aborto. Mas para que não se façam indiscriminadamente, criem primeiro consultas de planeamento familiar.Dêem educação sexual nas escolas. A pilula do dia seguinte, elucidem a pessoas sobre a forma de utilização. Mas acima de tudo, dêem condições sociais e monetárias aos casais para que possam escolher a altura em que queiram ter os filhos.
Isso implica não só infantários, creches, escolas e os centros estatais de ATL's, para as épocas de férias escolares.
Mais havia para dizer. Isto é uma parte do que eu gostaria de ter dito. Mas porque vejo o sonho nascido em 25 de Abril/74 desfeito e porque o vivi, posso dizer, tão intensamente como a maior parte dos portugueses, não consigo expressar, falando, o que sinto devido ao pesadelo em que se vive.
Era isto e muito mais, João Carlos Pereira, que gostaria de ter dito.

4/7/07 4:29 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Caro José

Gostei do que disse no seu comentário. Acima de tudo, porque, para além do que escreveu, noto-lhe o desencanto e o desprezo por aquilo que é este país, hoje.

Eu tenho o privilégio de falar na rádio e de poder escrever, mas sei que não estou sozinho neste remar contra a maré. Sei que há muitos Josés que ouvem e também gostariam de entrar em linha e desabafar.

Pois bem: faço-o com os seus familiares, faça-o com os seus amigos, reclame e barafuste em todo o lado, não tenha medo de erguer a voz a chamar os bois pelos nomes.

Eu aproveito todas as oportunidades para desancar nestes cretinos, fascistas encapotados, que governam sempre da mesma maneira, isto é: tirando aos pobres para darem aos ricos.

Mas acho que estou a ensinar o padre nosso ao vigário.

O que interessa é resistir, combatê-los, denunciá-los e, para isso, devemos ler a imprensa onde estas denúncias são feitas e divulgálas em público.

Sabe? Cada um de nós é um pequeno grão de areia, mas é de pequenos grãos de areia que se formam as grandes dunas e os grandes desertos. E, muitas vezes, basta um pequeno grão de areia na engrenagem.

Não desista.

Um abraço.

João Carlos

4/7/07 9:59 da tarde  
Blogger a formiga said...

Só devemos formular opiniões quando estamos informados, o que não conseguimos através dos meios de comunicação social, que estão institucionalizados.
Uma das muitas armas que são usadas para manter o povo na ignorância é a desinformação; ignorância essa que fere, todos os dias, os nossos direitos.
Quando estamos informados, estamos em condições de defender causas, quer no nosso local de trabalho, nos transportes, junto dos amigos, etc...
Fica aqui o meu convite, para visitar http://tirem-as-maos-da-venezuela.blogspot.com, e desta forma seres mais um a defender uma causa com valores.
Continuação do bom trabalho, que aqui está a fazer.
Cumprimentos,

9/7/07 4:32 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home

1997, 2007 © Guia do Seixal

Visões do Seixal Blog Directório Informações Quem Somos Índice